Úrsula, de Maria Firmina dos Reis


FICHA TÉCNICA

2018 / 240 p. / Belo Horizonte

Autora: Maria Firmina dos Reis

Editora: PUC Minas

Catalogação: 1. Literatura brasileira. 2. Contos brasileiros. 3. Narrativa (Retórica). 4. Romance brasileiro.


O livro Úrsula, escrito pela Maria Firmina dos Reis, maranhense da Ilha Upaon-Açu, tem como objetivo relatar decepções, amores, traições e a escravidão por meio dos seus personagens. Através do encaixe de narrativas, técnica em que as personagens contam suas vidas, deparamo-nos com cavaleiros e damas em perigo, promessas, conflitos entre amor, honra e dever.


Dessa maneira, a autora traz ao conhecimento do leitor o funcionamento do sistema colonial que age sobre cada personagem, fazendo com que atraiam para si castigo, loucura e morte. Nessa lógica escravocrata, o comendador Fernando P. impunha-se com maldade indomável, como fera indômita, de ódio implacável e coração de tigre.


Isso acontece porque Fernando é “homem estúpido e orgulhoso, não sabendo sequer exprimir seus próprios pensamentos, e não querendo confiar a alguém, que ele julgava inferior a si pela posição, e pelo nascimento”. Assim, a obra torna público a crença do homem estúpido e orgulhoso que usa a posição social — de cargos, propriedades, privilégios etc. — como “única tábua de salvação, a que se pegava em seu naufragar contínuo de completa ignorância” (REIS, 2018, p. 145-146).


A maldade humana que Úrsula quer revelar, entretanto, não consiste em nenhuma novidade. Todos sabem que “criaturas humanas tratem outras assim e que não lhes doa a consciência” (REIS, 2018, p. 103). O que acontece, na realidade, é que, apesar de todos já terem conhecimento do fato, talvez raramente saibam narrar sobre ele, sobre seus danos, prejuízos e imoralidade.


Acredito que a grande contribuição do romance é a técnica de fazer com que cada personagem extrapole a simples narrativa e chegue até nós como símbolo de verossimilhança e catarse das grandezas e misérias humanas. É certo que, por trás da obra, existe um discurso histórico muito grande, mas por isso mesmo o objetivo dessa obra literária vem a calhar perfeitamente nos ciclos culturais do século XIX em que se insere, no qual presenciamos mudanças profundas nas estruturas sociais e econômicas da época.


Nesse sentido, Úrsula apresenta-se como reflexo e testemunho de sua época, um divisor de águas como primeiro romance abolicionista brasileiro: a narrativa proposta é perpassada pelo catolicismo e seus valores, além da retórica, argumentação e uso da linguagem rebuscada. É importante que cada leitor lute pela interpretação da fala da escritora[1] e busque o estado de espírito dela, que a deixe falar. Ler, afinal, custa muito, e impõe-nos a obrigação de escutar[2].


Notas


[1]. Ver nota 2.

[2]. Quero dizer: obrigação de ler o texto atentamente como se estivéssemos escutando alguém falar.


Referência


REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. Belo Horizonte: PUC Minas, 2009.


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