O Que é Religião?, de Rubem Alves


FICHA TÉCNICA

2002 / 126 pág / São Paulo

Autor: Rubem Alves

Editora: Edições Loyola

Catalogação bibliográfica: Religião

ISBN: 85-15-01968-X


A obra em questão objetiva explicar de maneira introdutória o fenômeno religioso e algumas de suas principais discussões, ou seja, a partir da pergunta “O que é religião?” formula-se uma compilação de problemas que relacionam-se com a pergunta inicial e servem de eixo para o exame de problemas que desde os primórdios fazem parte da consciência humana.


O autor inicia a obra apresentando e examinando as Perspectivas que afligem o sujeito religioso dos tempos atuais. Segundo o autor, ateus eram raros e causa de estranheza até a chegada da modernidade, da ciência e da tecnologia com a marca do “seu rigoroso ateísmo metodológico” (ALVES, p. 09-10, grifo do autor), mas se nos períodos pré-modernos o ateísmo era incomum, nos tempos atuais a situação inverteu-se e o sujeito que confessa-se religioso causa a muitos a mesma estranheza que outrora uma parcela ínfima de ateus causavam no mundo antes da secularização e comparado ao progressivo aparecimento de ateus após o surgimento do mundo secularizado.


E ressalta que quando se esgota os recursos técnicos e a “dor bate à porta [...] surgem então as perguntas sobre o sentido da vida e o sentido da morte, perguntas das horas de insônia e diante do espelho” (p. 12), pois apesar das dúvidas de caráter religioso articularem-se agora sob o disfarce dos símbolos secularizados, “ela permanece e frequentemente exibe uma vitalidade que se julgava extinta” (p. 10), ou melhor, “a religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir” (p. 13).


Em seguida, ao falar sobre Os símbolos da ausência, sustenta que o homem recusa-se a ser como os animais, pois é um ser de consciência, apesar da mesma provocar a “maldição da neurose e o terror da angústia” (p. 18), condição existencial do homo sapiens. Então, com a recusa do “mundo estruturalmente fechado” (p. 18) ao qual os animais estão destinados, o ser humano cria outros mundos (civilizações, linguagens, culturas, altares, palácios, harpas, poemas, ciências, etc) e luta contra a neurose e a angústia que o fardo do pensar exige. Assim, a criação humana (religião, filosofia, arte, ciência, etc) é impulsionada não apenas pelo racional, mas por um impulso primitivo chamado desejo.


Com isso, nota-se que a cultura não é uma reduplicação da natureza, pois a cultura (religiosa, filosófica, científica, etc) “deseja criar [...] o objeto desejado'' (p. 22, grifo do autor) que encontra-se ausente na matéria. Os símbolos da ausẽncia são aqueles que carregam intenções e desejos provenientes da imaginação e do “poder humano de dar nome às coisas, atribuindo-lhes um valor” (p. 26) que a matéria carece, ou seja, sob a teia de símbolos e rede de desejos surge a religião com “os sinais visíveis desta teia invisível de significações (p. 26, grifo do autor) que não se esgota apenas na imaginação e na fantasia, mas formam esquemas de sentido que alimenta a vida e a vontade de viver.


Em O exílio do sagrado, o autor discorre sobre o processo que fez o sagrado envelhecer e desmoronar após a secularização e o advento da modernidade científica. Com o heliocentrismo, método científico-experimental e o capitalismo, os símbolos medievais foram corroídos, afinal, “os símbolos vitoriosos [...] recebem o nome de verdade” (p. 40) e a verdade pós-medieval provém da crença de que “aquilo que não é útil deve perecer” (p. 45). Segundo Rubem Alves (p. 40), enquanto alguns símbolos derrotados “são perseguidos como heresias” antes da secularização, outros “são ridicularizados como superstições" após a secularização, assim a natureza e o ser humano perde sua aura sagrada, pois o que importa não é mais entender, mas apenas manipular, controlar e transformar. E assim nasce um mundo instrumentalizado, vazio de mistérios e totalmente dominado pela razão. “O sucesso da ciência foi total” e “coisas bem-sucedidas não podem ser questionadas” (p. 49), mesmo que o preço para a objetividade absoluta seja o “vale quanto ganha, enquanto ganha” (p. 48).


A objetividade técnico-científica e a instrumentalização das coisas ignora duas concepções que dizem respeito ao sentido das coisas e que são examinadas pelo autor no tópico A coisa que nunca mente. Ao afirmar que as coisas/símbolo significam outras e as que são destituídas de sentido não significam outras, Rubem Alves (p. 58, grifo do autor) enfatiza que “quem confunde coisas que significam com coisas que nada significam comete graves equívocos”.  Ou seja, enquanto muitos erraram em pensar que a religião era algo passageiro, já os empiristas e positivistas ignoraram-na enquanto coisa social e insistiram em interpretá-la apenas como texto e superstição, não obstante, os mesmos afirmavam que a religião existe e que faz parte da realidade, então, Rubem Alves (p. 60) afirma que “se a religião é um fato, os julgamentos de verdade e falsidade não podem ser a ela aplicados”, além de diferenciar as coisas que significam outras (mundo sagrado) das que não significam (mundo profano).


O avanço do mundo profano/secular suplantou o sagrado e alargou o individualismo e o utilitarismo, pois no mundo profano “o que não é útil é abandonado”, visto que “tudo se torna descartável [...]” (p. 61-62) e resta a dúvida sobre qual argumento ou apelo utilitário pode ser invocado contra o crime.


Após isso, o autor examina as considerações sociológicas em As flores sobre as correntes, nas quais tais críticas e investigações apontam para a dimensão materialista do fenômeno religioso, isto é, a religião é movida e criada por sujeitos que são “corpo, corpo que tem de comer, corpo que necessita de roupa e habitação, corpo que se reproduz, corpo que tem de transformar a natureza, trabalhar, para sobreviver” (p. 73). Mas, de acordo com o autor, apesar dos sociólogos identificarem que as pessoas são movidas mais por ideologias do que pelo conhecimento, que os poderosos usam e invocam o sagrado como cúmplice da guerra e do crime, ou ainda, que a crítica sociológica arrancou as flores sobre as correntes para que as mesmas correntes da alienação fossem quebradas, mesmo reconhecendo tais benefícios promovidos pela crítica sociológica, há de se reconhecer que “o equívoco é pensar que o sagrado é somente aquilo que ostenta os nomes religiosos tradicionais” (p. 81).


E fundamenta a partir d’A voz do desejo ao esclarecer que a religião vai muito além das explicações lógico-racionais, pois as explicações técnico-científicas “dificilmente poderão oferecer razões para viver e morrer…” e reforça que “o discurso religioso contém algo mais que a pura ausência de sentido, não podendo, por isso mesmo, ser exorcizado pela crítica epistemológica” (p. 85). Ou seja, a religião é o desejo da finitude pelo Perfeito Infinito que transcende a miséria humana e manifesta-se como mensagem, expressão e esperança, na medida que “o desejo”, neste contexto, “é indestrutível” (p. 90).


Logo após, destaca a justiça e a misericórdia d’O Deus dos oprimidos, tendo como ponto de partida a missão dos profetas e mártires que, segundo Rubem Alves (p. 103), foram “os primeiros a compreender a ambivalência da religião, isto é, “ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados”. A religião pode libertar ou escravizar, iluminar ou cegar, ou ainda, causar alienação de modo a submeter oprimidos ao conformismo e aceitação da “riqueza pela vontade de Deus, pobreza pela vontade de Deus” (p. 107), revestindo os interesses pessoais com aura sagrada, bem como o próprio utilitarismo proveniente do egoísmo e do individualismo.


E finaliza suas considerações n’A aposta de que após conhecer algumas das principais críticas à religião levantadas por psicólogos, filósofos, cientistas sociais, etc., assim como pela defesa da mesma feita por outros, ressalta que a religião fala sobre o sentido da vida e da morte, superando a mecânica matematicamente precisa e tecnicamente manipulável da ciência, visto que “o sentido da vida não é um fato” (p. 125), mas parte da realidade de um ser que, ao mesmo tempo, é dotado de razão e de desejo, e posto isso, conclui que “é mais belo o risco ao lado da esperança que a certeza ao lado de um universo frio e sem sentido…” (p. 126).


Portanto, a obra O que é religião? descreve a religião a partir da filosofia, ciência, sociologia, psicanálise e antropologia, assim como identifica a importância da mesma no que se refere à condição humana que encontra-se fora dos domínios das ciências, além de, no decorrer da obra, salientar que “a religião pode se transformar. Mas nunca desaparecerá” (p. 66).


Comentários

  1. Parabéns pela resenha. Livro fundamental na minha formação. Hoje (19.09.24), mantenho uma livraria virtual, na qual disponho de dois exemplares dele, de duas diferentes edições, pela coleção Primeiros Passos, da Brasiliense. Quem tiver interesse, pode entrar na loja e escrever "Rubem Alves" na busca: https://alfayalivreiro.com.br/

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