Um Método Perigoso, de David Cronenberg


FICHA TÉCNICA

2011 / 99 min / Reino Unido da Grã-Bretanha e 

Irlanda do Norte

Direção: David Cronenberg

Gênero: Drama, thriller

Elenco: Keira Knightley, Viggo Mortensen, 

Michael Fassbender


O filme Um método perigoso ocupa-se da conjuntura histórica em torno de três figuras que estão no cerne da psicanálise, ou seja, o centro da trama é dedicado a Freud, Jung e Sabina Spielrein, além de percorrer temas substanciais da psicanálise, métodos, tratamentos de pacientes, discordâncias teóricas entre Freud e Jung, assim como a polêmica relação entre Jung e Sabina, na qual aquele enquanto analista desta, transpõe os limites da relação analista-paciente ao envolver-se sexualmente com a mesma. 


No que se refere à relação de Jung e Sabina, a mesma revela ser um horizonte que, para além do escândalo, torna-se temática no tocante às Observações sobre o amor de transferência (1915), onde Freud traz à tona a questão técnica e ética sobre casos em que a paciente se apaixona pelo seu analista, ou melhor, Freud refere-se à transferência, de acordo com Janaina Namba (2012), “como um enlace que não é verdadeiro, isto é, sentimentos de amor, de ódio, de indiferença, etc. que não são verdadeiramente destinados ao analista”. Além disso, Namba (2012) ainda ressalta que “o que é dito em análise, não é lembrado como algo que se viveu no passado, mas como algo que é reatualizado no vínculo com a figura do analista”. 


Nesse sentido, nota-se uma preocupação de Freud, desde os primórdios da psicanálise, ao afirmar que a transferência é um obstáculo à análise, assim como uma “possível perturbação do vínculo entre o analista e o paciente” (NAMBA, 2012). Por isso é comum salientar a problematização temática da relação de Jung e Sabina, na medida em que a transferência, como a compreende Freud, pode comprometer os sentimentos verdadeiros da paciente, isto é, o amor de Sabina por Jung poder-se-ia caracterizar por um enlace falso, assim como noutros casos similares em que a paciente transferi sentimentos diversos para o analista em questão. 


Ainda sobre Sabina Spielrein, é oportuno frisar que além do interesse cinematográfico pela conturbada relação da mesma com Jung, emergiu também o interesse dos psicanalistas ao destacá-la como uma pioneira da psicanálise que, segundo as ressalvas de Marcus Silva e Marina Almeida (2019, p. 06), “a ênfase” do filme “é dada ao seu envolvimento com Jung, como se seu valor se devesse apenas a esses eventos escandalosos”, além de relatar um tratamento favorável a Jung e distorcer a imagem da psicanalista, ou seja, “a criação do filme sobre o tipo de material ficcional a ser produzido determinam a percepção que o espectador tem sobre os personagens. A Sabina Spielrein do filme não se parece de forma alguma com a Sabina Spielrein que aparece nos documentos a que temos acesso” (SILVA; ALMEIDA, 2019, p. 17).


Dito isso, acentua-se que a Sabina Spielrein apresentada no filme Um método perigoso prova ser apenas um ponto preliminar à compreensão e conhecimento da mesma, sendo, pois, de suma relevância um aprofundamento teórico mínimo sobre as ideias e contribuições que a mesma, de fato, proveu à psicanálise. Em relação a isto, Renata Cromberg publicou, em 2014, a obra Sabina Spielrein: uma pioneira da psicanálise que, conforme Sérgio Telles (2015, p. 258), “é o primeiro de uma trilogia que compõe um bem elaborado projeto editorial” com o propósito de pesquisar sobre uma mulher que “ficou muito tempo no degredo, sobrevivendo em referências na correspondência entre Freud e Jung e na nota de rodapé de página do sexto capítulo de Além do princípio do prazer – o que [...] não é de pouca monta” (TELLES, 2015, p. 257).


Todavia, há pouco conhecimento sobre o fato do pensamento de uma mulher que de paciente de Jung, tornou-se psicanalista renomada e “influenciou Freud, Jung, Luria, Vygotsky e Piaget (de quem foi analista)” (TELLES, 2015, p. 258). Suas ideias mostram-se tão brilhantes e originais quanto as de seus colegas analistas, tanto que os mesmos se beneficiaram de suas descobertas e análises sem prover-lhe os merecidos créditos. Infelizmente, o fim de Sabina Spielrein deu-se de forma trágica durante a Segunda Guerra Mundial ao ser “assassinada, junto com suas duas filhas, pelos soldados alemães durante a invasão da URSS” (TELLES, 2015, p. 257).


Outro ponto de extrema relevância abordado pelo filme, compete à relação de Freud e Jung, sendo este, discípulo e previsto sucessor daquele que, todavia, pelas divergências teóricas, ambos rompem a relação entre dezembro de 1912 e janeiro de 1913. As discordâncias entre os dois intelectuais é, em grande medida, marcada pela disputa de ideias e, também, pela disputa de egos, pois Freud desejava ser seguido por seus discípulos, além de insistir numa postura de autoridade frente a Jung e aos demais psicanalistas. Todavia, Jung recusa-se a deixar sua autonomia de pensamento e autoria intelectual, fato este que leva-o a confrontar conceitos essenciais do pensamento freudiano.


O principais pontos teóricos de divergências entre Jung e Freud, resumidamente, situam-se no posicionamento em relação à sexualidade, pois Jung criticava a importância dada à libido nas teorias freudianas, além de conceituar a estrutura psíquica da mente em consciente, consciente pessoal e consciente coletivo, uma estrutura que claramente diverge da conceituação freudiana; além das divergências dos mesmos em torno do tratamento e da relação paciente-analista envolvendo laços emocionais (afetivo e sexual), neste último caso, evidencia-se o caso de Jung e Sabina.


Portanto, fica evidente a relevância do filme Um método perigoso para a divulgação da ciência por meio da ficção cinematográfica, todavia, sendo indispensável ao espectador discernir a ficção da realidade, pois não é competência do cinema oferecer respaldo teórico irrefutável, isto é, na medida em que a ciência e a realidade tornam-se objetos estéticos de criação e de liberdade artística no intuito de oferecer, simultaneamente, entretenimento e conhecimento.


REFERÊNCIAS


NAMBA, Janaina. Um método perigoso: o avesso da psicanálise. RUA - Revista Universitária do Audiovisual, 2012. Disponível em: clique aqui. Acesso em 24 de mai. 2021. 


SILVA, Marcus; ALMEIDA, Marina. Sabina Spielrein: Seu lugar na história da psicanálise e sua representação no cinema. Belo Horizonte: Mosaico:  Estudos em Psicologia, v. 7, n. 1, p. 05-21, 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 24 de mai. 2021. 


TELLES, Sérgio. Sabina Spielrein, Freud e Renata Cromberg – um diálogo produtivo. São Paulo: IDE, 38 (60), p. 257-261, 2015. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 23 de mai. 2021. 


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