Os Delírios de Consumo de Becky Bloom, de P. J. Hogan


FICHA TÉCNICA 

2009 / 98 min / Estados Unidos

Direção: P. J. Hogan

Gênero: Comédia, romance

Elenco: Isla Fisher, Hugh Dancy, 

Krysten Ritter

 

Os delírios de consumo de Becky Bloom é um filme que tece sérias críticas ao consumismo e à ilusão de felicidade ocasionada pela estrutura social e vieses da moda, fato este que revela ser um dos fatores que causam o endividamento e a inadimplência, assim como a alienação de si mesmo e da própria liberdade. 

 

Nesse sentido, o filme retrata a sociedade e os indivíduos da mesma em confronto com o consumismo compulsivo sob a falsa correlação entre ser, consumo e felicidade. A protagonista do filme, Rebecca Bloomwood, é formada em jornalismo e enquadra-se perfeitamente nesta conjuntura consumista, isto é, a felicidade para Rebecca é ter vários cartões de crédito em mãos e, deste modo, poder comprar o que quiser de forma “ilimitada” como ato de empoderamento e plenitude.

 

Diante disso, nota-se a evidência de que “a ideia de ser feliz se tornou tão imperiosa que não ser feliz é visto como algo socialmente condenável" (RIBEIRO; PIMENTEL, 2020, p. 248), ou seja, o consumo perde seu caráter utilitário e adquire atributos simbólicos, ou melhor, “não há mais o consumo de um bem em si mesmo, mas o que ele representa socialmente, todos os significados a ele vinculado” (RIBEIRO; PIMENTEL, 2020, p. 248). Os sentidos e significados são mais determinantes para a aquisição dos produtos oferecidos pelo mercado do que a própria função ou problema a ser solucionado por esses bens, quer dizer, o carro, a moto e o celular comprados simbolizam status social, elegância e felicidade, suas funções e soluções tornam-se justificações secundárias e, em muitos casos, irrelevantes. 

 

Por isso, o consumo é uma porta de comunicação do indivíduo para com a sociedade e os demais semelhantes inseridos na mesma, tornando possível a compreensão do mesmo e de suas contingências sócio-afetivas. Assim sendo, na medida em que o consumo carrega significados e sentidos de satisfação, realização enquanto ser pertencente a um ou mais grupos sociais, consequentemente, passa a ser “visto como um meio para ser feliz [...] a prática do consumo é considerada como o caminho mais oportuno para alcançar um estado feliz” (RIBEIRO; PIMENTEL, 2020, p. 252). Na contramão, perde-se a noção de si mesmo ao tentar encaixar-se socialmente e culturalmente a partir de uma ótica consumista que, segundo Rondinele Ribeiro e Larissa Pimentel (2020, p. 257), as “novas porções de prazer e felicidade são colocados à venda diariamente para que a sociedade do consumo seja a cada dia uma sociedade de consumidores ‘sempre’ felizes”.

 

Além da relação entre consumo e felicidade, evidencia-se no filme o lado existencial de Rebecca Bloomwood quando a mesma afirma que quando compra, “o mundo fica melhor, muito melhor e, quando acaba”, então ela conclui reafirmando, “eu compro de novo”. Logo, o vazio existencial invoca o mundo e seus bens mercadológicos como forma de escape e subterfúgio de si mesmo por intermédio de um desejo insaciável, ou ainda, como subterfúgio da miséria de si, e isto, num sentido pascaliano. 

 

De acordo com Pâmela Assis e Thiago Berzoini (2020, p. 04), “ao fazer compras, o consumidor insaciável se acha livre para colocar em seus objetos de desejo suas frustrações, sem perceber que esses mesmos objetos lhe trarão uma frustração por não preencherem o seu vazio”. Ou seja, Rebecca não busca realizar-se existencialmente e afetivamente em seus relacionamentos interpessoais, sequer consegue de forma pessoal, em outras palavras, “a personagem não procura em seus próprios relacionamentos pessoais o preenchimento de algo que lhe falta, mas não pensa duas vezes ao procurar isso em uma loja” (DE ASSIS; BERZOINI, 2020, p. 04). 

 

Assim, além das implicações simbólicas do consumismo, o mesmo sinaliza ser uma busca pelo prazer e preenchimento do vazio existencial, em suma, para fugir da angústia “os consumistas [...] consomem sua dor através do ato de comprar” (DE ASSIS; BERZOINI, 2020, p. 06), todavia, esta forma de inclusão e preenchimento a partir de escolhas de curto prazo, afoga-os em consequências de longo prazo. À vista disso, a promessa de felicidade e plenitude pelo consumo é desastrosamente refutada pelos precisos movimentos das consequências tardias. 

 

Dito isso, fica evidente que o filme em questão é extremamente relevante para uma compreensão preliminar da falaciosa e forçada aproximação causal entre consumo e felicidade, ou ainda, Rebecca Bloomwood exprime o consumismo contemporâneo virtualizado, pois o consumidor atual não posterga suas satisfações, digo, a realização dos sonhos seguem o fluxo de slogans sobre os “cartões mágicos” de crédito e suas promessas imediatistas do “seja feliz agora e não adie seus sonhos, basta clicar no link da bio.” 

 

Portanto, conclui-se com a provocação feita por Renato Bittencourt (2008, p. 24) referindo-se a Zygmunt Bauman sobre “o questionamento acerca das condições de existência do ser humano, isto é, outrora questionava-se sobre se o ser humano "trabalhava para viver ou se vivia para trabalhar, nos tempos atuais”, todavia, pode-se “cogitar se o homem consome para viver ou se vive para consumir”. 

 

REFERÊNCIAS 

 

BITTENCOURT, N. Renato. A insanidade da moda e a cultura do consumismo. Filosofia ciência & vida, nº 19, p. 22-29, 2008. 

 

DE ASSIS, Pâmela Muniz; BERZOINI, Thiago. Becky Bloom: cidade e consumismo no mundo da moda. ANALECTA - Centro Universitário Academia, v. 6, nº. 3, p. 01-10, 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 04 de jun. 2021. 

 

RIBEIRO, Rondinele; PIMENTEL, Larissa. Consumo, logo sou feliz (?): a relação entre consumo e felicidade no filme ‘Os delírios de consumo de Bechy Bloom’. Cadernos Zygmunt Bauman, São Luís-MA, v. 10, nº. 23, p. 246-257, 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 04 de jun. 2021. 


Comentários